terça-feira, 24 de novembro de 2009

O ENIGMA DE OUTRO MUNDO


"Eu sei que sou humano!"

Um "remake" de The thing from another world (1951), o Enigma de outro mundo é exatamente o tipo de filme que permite o uso do clichê "de prender a respiração" para designá-lo. O diretor John Carpenter já havia dirigido o clássico Halloween (1978), e inaugurou com Kurt Russel a partir de Fuga de Nova York (1981), passando por este The Thing (1982) e com Os aventureiros do bairro proibido (Big trouble in little China, 1986), uma das parcerias mais prolíficas dos anos 80, que, no entanto, mostrou-se já desgastada em Fuga de Los Angeles (1996). Pode-se dizer que com Fuga de Nova York, Carpenter já anunciava o clima dos filmes pós-apocalípticos dos anos 80. O Enigma do outro, por sua vez, guarda mais de Alien (1979): nada de extraterrestres brilhantes, inteligentes, belos e racionais - a Coisa é nojenta, brutal, repulsiva, irracional, puro instinto de sobrevivência. O cenário da história se adéqua perfeitamente a mesma: uma estação científica na região mais inóspita da Antártica, em que a questão da luta pela sobrevivência é posta de maneira incisiva, já que é como se a vida não fosse bem-vinda naquela região. Carpenter alega que uma das suas principais referências é Hitchcock. De fato, na cena do teste para ver quem da equipe foi assimilado pela Coisa, pode-se perceber o quanto ele conseguiu levar os princípios do mestre adiante. Como numa das cenas mais primorosas do suspense em o Homem que sabia demais, aquela dos címbalos, todos os elementos são dados de antemão ao espectador nessa cena do teste de sangue:  o espectador sabe que a Coisa assimila qualquer forma viva e simula perfeitamente sua aparência, que quando revelada ela ataca ou tenta fugir de maneira selvagem e mortal, que o fogo faz com que ela se revele. MacReady (Kurt Russel), de lança chama em punho, amarra os companheiros em cadeiras, "porque sabe que é humano", mas não tem como confiar em mais ninguém, retira sangue de cada um, e, com um arame aquecido, vai testar cada amostra. A tensão nessa cena é impressionante, a respiração do espectador fica exatamente "em suspenso", a espera é angustiante. Eis a verdadeira forma básica do suspense, não é o mistério ou o susto puro e simples, mas o fato de deixar o espectador aguardando um acontecimento cuja configuração já lhe foi fornecida, claro que não é um acontecimento qualquer que se aguarda, mas de preferência algo violento ou agravante. Mas não haveria nessa cena igualmente um conflito moral? Como MacReady pode ter tanta certeza de que ele é humano, e o que dá a ele o direito de prender seus companheiros por suspeita de que eles não o sejam e por à prova a humanidade deles? O conflito existe, e não há solução para ele no campo moral, contudo, no político, há sim uma solução: decidir. MacReady é um líder posto numa situação de crise extrema, uma situação que foge à toda regularidade, um quadro de exceção, um ponto limite, onde alguém deve decidir, e esse alguém é o líder de um grupo, que muita vezes só se descobre como tal quando tem que decidir. MacReady age, decide, é uma situação anormal, inesperada, irregular e ele toma uma decisão, isso é tudo. Como saber que somos de fato humanos, normais? Que aquela "coisa", que é tão feia e terrível que eu digo que não me pertence, que deve ser algo externo, uma influência malsã, alienígena - mas que, no fim das contas, está mesmo dentro de mim -, não vai assumir o controle e me consumir? Como saber que os "outros", por sua vez, manterão o controle de sua própria "coisa"? Creio que o filme também pode suscitar esse tipo de reflexão, sobretudo, quando MacReady desaparece por um bom tempo na noite e depois surge de forma inesperada e suspeita. Os amigos de MacReady passam a desconfiar que ele foi assimilado e o espectador também conserva a sombra dessa mesma dúvida pelo menos até MacReady testar seu próprio sangue, conseguindo, de fato, mostrar que é humano.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

CEMITÉRIO MALDITO


"Mamãe eu trouxe algo pra você!"

Durante mais da metade da minha vida , morei em frente a uma rodovia (BR 316), e esse filme me abalou suficientemente para nutrir um certo respeito pela estrada. Vários pets, bichinhos de estimação, da nossa família tiveram o seu fim pregados na pista como o gato Church do filme, presenciei acidentes, vi um homem ser levantado da bicleta por uma caminhonete que foi buscá-lo no acostamento, quebrar o pescoço e morrer na hora. Não corria para ver acidentes, mas cansei de ver o pinche manchado de sangue quando ia de bicicleta para escola. Quando meus sobrinhos chegaram e eu ainda morava lá, a imagem do pequeno Gage sendo atropelado era o que me fazia conferir sempre se o portão estava fechado e segurar bem forte suas mãos ao atravessar aquela maldita estrada. Andei muito de bicicleta por aquela pista, vinha da casa da namorada às 3, 4 horas da madrugada. Depois, no tempo da Universidade, vinha às 10, 11 horas por um trecho de quase um quilômetro sem enchergar nem um palmo a frente: só eu e o meu medo. É por isso que "Cemitério Maldito" é um dos poucos filmes que realmente me assustaram e me assustam. Revendo o filme, sinto até uma certa indignação por Stephen King ter criado uma história em que um bebê tem que morrer, chega a ser repugnante o fato de alguém querer filmar isso. Mas o suspense é aqui magistralmente construído e você não cosegue deixar de justificar esteticamente a coisa. O que mete medo em "Cemitério Maldito" não são os sustos que o gato ressuscitado vive provocando no protagonista, mas a tensão (a espera como diz Hithcock) criada a partir da primeira cena em que a felicidade daquela doce família é posta ao lado daquele monstro cego que é a rodovia. É justo uma criança morrer de forma tão brutal e absurda, por mero acaso? A morte é justa? Existe uma hora certa para alguém morrer ou ter que lidar com a morte de um ser amado? O velho vizinho sabe que o gato não retornará o mesmo dos mortos, que ele se tornará maligno, mas não consegue suportar a idéia de ver a pequena Ellie lidando tão cedo com a morte. Louis sabe que seu filho provavelmente não será mais o mesmo, mas não consegue evitar de enterrá-lo no cemitério dos índios porque ele lhe foi tirado cedo demais e de forma insensata, sua morte não teve sentido. Ele não consegue evitar de fazer o mesmo uma terceira vez. E outra coisa que me deixava de cabelo em pé era perceber que eu faria o mesmo que ele, que suas ações são totalmente compreensíveis. Se houvesse como trazer os mortos de volta à vida, nós nos arriscaríamos a agir como Louis, ainda que houvesse uma grande probabilidade de eles não serem mais os mesmos. Ele é avisado desde o início pelo fantasma do garoto atropelado que suas ações só traram mais sofrimento para todos. O que dá medo é perceber pelo filme que não sabemos lidar com a morte, não sabemos aceitá-la ou que pelo menos não é nada muito fácil. E é aí que o filme me atinge, pois me obriga a aprender a lidar com a morte. É possível, só não é fácil.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

CURTINDO A VIDA ADOIDADO


"SALVE FERRIS!"

Curtindo a vida adoidado é um manual, um hino, um símbolo do desfrute da vida. "Uma comédia adolescente? Mas que conteúdo isso poderia ter?", poderiam perguntar os "verossímeis", como ironizava Hitchcock. A questão é que nem todo o "conteúdo" da vida cabe em uma forma discursiva, racional, lógica. Há certas "verdades" que só podem ser comunicadas e experimentadas mediante uma apresentação simbólica, plástica, intuitiva. Ao "gazetarmos" aula junto com Ferris (Matthew Broderick) para desfrutar um dia de sol junto com seu melhor amigo Cameron (Alan Ruck) e sua namorada Sloane (Mia Sara), no último ano do colegial, não estamos "aprendendo" a ser irresponsáveis, a fugir das obrigações, a enganarmos nossos pais, estamos intuindo, experenciado, que a vida merece ser vivida, que precisamos fazê-la ter sentido, que o tempo é curto, mas eternos são os momentos em que escolhemos a vida, em que apostamos nela, em que a abraçamos. Podemos viver sempre coagidos, presos, limitados, forçados, quando a vida mesma se torna uma obrigação, um fardo, algo que nos foi imposto. Contudo, quando se diz Sim a vida, quando se escolhe viver, então estamos livres para torná-la nossa e darmos um sentido a ela. "Salve Ferris!", diz um aluno do colégio que pede um donativo à irmã do boa vida (Jennifer Grey), para dar um novo fígado a Ferris. Jeanie se enfurece, faz de tudo para sabotar os planos do irmão. Ela não aceita que ele se dê bem, na verdade, ela não entende, não compreende a atitude do irmão, revolta-se com sua alegria, felicidade, por ele ter encontrado o seu lugar no mundo. Jeanie se sente deslocada, presa em sua própria vida, ela não vê sentido em "curtir a vida", seu maior prazer seria provar isso a si mesma convencendo o irmão ao fazê-lo fracassar, mostrando que ele está errado. Jeanie é a intolerância dos que não se amam. Ferris não passa por um grande processo de descoberta, amadurecimento e aprendizagem no filme, como acontece normalmente em uma saga heróica, é sobretudo Cameron e Jeanie que passam por isso. Jeanie consegue compartilhar a visão do irmão ao conhecer um rapaz na delegacia (Charlie Sheen) que lhe indaga: que problema ela vê no que o irmão faz, ele faz mal a alguém, prejudicou ela de alguma maneira? Ela reflete sobre isso, mas não é por refletir que ela se transforma, mas por encontrar um lugar para si no mundo, por passar a gostar de si própria. Cameron é com certeza o personagem ao redor do qual a história se desenvolve, hipocondríaco, obessessivo com a figura do pai, que não consegue compreender, não sabendo como encará-lo, como enfrentá-lo, mas é finalmente ao destruir aquilo que ele afirma que o pai mais ama no final do filme que ele ganha a coragem necessária para assumir sua independência frente ao mesmo, e escolher a vida, assumí-la como sua. Mas e Ferris? Ferris já sabe o que quer e nos mostra como podemos vir a saber também!!

terça-feira, 19 de maio de 2009

OS GOONIES


"NEVER SAY DIE!"

Mama Fratelli: "Conte tudo!!! Tudo!!!"
Bolão: "Tá bom! Eu falo! Na terceira série, eu colei n
a prova de história. Na quarta-série, eu roubei a peruca do meu tio e colei na cara pra fazer o papel de Moisés na peça da escola. Na quinta série, empurrei minha irmã da escada e culpei o cachorro... Quando minha mãe me mandou para o acampamento para gordinhos, na hora do almoço eu cuspi tudo e fui mandado embora... mas a pior coisa que já fiz foi quando misturei vomito falso em casa, levei escondido ao cinema, subi nos camarotes e aí fiz um barulho tipo - blearrrrrgh, bleaaaaaargh - e joguei lá embaixo sobre as pessoas na platéia. Foi horrível, todas as pessoas enjoaram e começaram a vomitar umas em cima das outras... Eu nunca me senti tão mal em toda a minha vida!!!"
Mama Fratelli: "Estou começando a gostar desse garoto!"

Para alguns filósofos, cinema não é arte, e sim um produto. Para outros, é necessário distinguir um bem cultural de um bem de consumo. Por conta disso, alguns fazem uma distinção entre a verdadeira e autêntica sétima arte, aquela que realmente consegue exprimir algo, ou comunicar sentimentos, ou pensar e refletir o mundo, ou criticar a realidade, ou transfigurar a vida, e aquele produto da indústria de entretenimentos, que serve apenas para divertir, distrair, relaxar, aliviar o fardo do nosso tumultuado e conturbado dia a dia, preencher as horas vagas entre o trabalho, as obrigações e os afazeres domésticos. Como se os mecanismos de poder dissessem: "você deve trabalhar, sacrificar-se, oferecer seu sangue pelo mercado, mas sei que a distração é necessária para sua sobrevivência, então use o dinheiro que eu lhe pago para consumir isto que lhe ofereço: Hollywood, blockbusters, filmes de ação, comédias inofensivas, filmes de heróis, pornografia, etc". O espectador "médio", em tal visão, consome filmes, ele alimenta sua necessidade de diversão com os produtos de mass media, geralmente identificados como partes da cultura pop. Esse expectador vê um filme apenas uma única vez, ele não estabelece nenhuma vínculo espiritual com o filme, o filme não tem para ele nenhum valor artístico, nenhuma "aura", nenhum poder de permanência, como deve ter a verdadeira arte. Mas, se é assim, como explicar que um filme como Os Goonies, produzido por Steven Spielberg e dirigido por Richard Donner, lançado em 1985, possa ainda exercer uma impressão tão forte em mim? Mais ainda, como explicar que uma criança de seus 9, 10, 11, 12, 13 e por aí vai, prefira abandonar suas brincadeiras, não o seu tempo livre, mas seus momentos de descobertas, os momentos que lhe pertencem propriamente enquanto criança, assim como o ócio é o que pertence propriamente ao homem, para passar boa parte da tarde em frente à televisão vendo um produto de entretenimento? Como um bem de consumo pode deixar uma marca tão indelével no espírito de uma criança atravessando mesmo sua vida adulta? O filme é uma verdadeira jornada de herói, os limiares, os desafios, o monstro que revela ter a alma de um gentil princípe, a fonte dos desejos, a caverna. Como não compartilhar o deslumbramento dos garotos diante do tesouro de Willie Caolho e o respeito pelo esqueleto do velho pirata. A fuga com bicicletas, a batalha com os vilões, o despertar da irresistível atração sexual, e, sobretudo, a força da amizade!!! Os goonies falaram comigo, éramos amigos! Filmes como Os Goonies fizeram minha história! Não foram e não são meramente consumidos por mim como bens de consumo. Eles me ofereceram uma maneira de me envolver com o mundo, de me localizar ante a realidade, de me posicionar frente as coisas, de desfrutar a vida! O filme Os Goonies me fez experienciar o significado da cobiça, os perigos da aventura, o valor do tesouro no fim da jornada de cada um, o poder da amizade, os mistérios que cercam a figura feminina. Não sei se a molecada de hoje acharia muita graça no filme, mas o fato é que foi uma experiência marcante para mim... e é um filme pop. Produto da indústria cultural ou de entretenimento? Que seja. Para mim, bons filmes são aqueles que me atingem.



Recentemente a revista Première fez aniversário e resolveu chamar atores e realizadores do filme para um encontro. Qual não foi minha surpresa quando descobri que Mickey foi interpretado por Sean Austin, o Sam Gangi da trilogia O Senhor dos Anéis, ou seja, descobri que o cara trabalhou nos dois filmes mais marcantes para minha vida. Sean também atuou na 5º temporada de 24 horas (Jack Bauer) e junto com Adam Sandler em Como se fosse a primeira vez e Click (os dois melhores filmes de Adan Sandler). Também não fazia idéia que o diretor era Richard Donner, o cara que fez A profecia, Superman 1 (e mais ou menos o 2), O Feitiço de Áquila e os quatro Máquina Mórtifera (só clássicos). Já desconfiava que Bocão, Corey Feldman, era o mesmo moleque, dublado com uma voz muito engraçado, do Conta Comigo e os Garotos Perdidos (que recentemente teve uma continuação estrelada por ele, e lançada diretamente em DVD aqui no Brasil), mas ele também fez Licença para dirigir, um Sexta Feira 13 (Capítulo Final) e Gremlins (clássicos, clássicos!!). O Data (ou Dado) atuou ao lado de Harrison Ford em Indiana Jones e o Templo da Perdição (sei que ninguém concorda, mas é o meu Indiana preferido). Nem sabia que havia qualquer participação de Spielberg (que criou e produziu a história), ou que o roteiro era de Chris Columbus, que também assinou por Os Gremlins e dirigiu Esqueceram de mim 1 e 2, os dois primeiros Harry Potters e o Homem Bicentenário. Também fiquei espantado em saber que o irmão mais velho de Mickey foi interpretado por Josh Brolin que atualmente só tem feito filmes bacanas: Planet Terror, Onde os fracos não tem vez, Milk e W. Essas informações só aumentaram minha admiração pelo filme e por seus realizadores.